Sem fazer uso uma só vez da expressão anatemizada “regulação da mídia”, o novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, tomou posse hoje no cargo reiterando a disposição de abrir um amplo debate com a sociedade brasileira sobre os melhores caminhos para tornar mais efetiva e mais democrática a atividade de comunicação no Brasil.
“A liberdade de expressão deve ser um valor assimilado por cada cidadão, e sob esta premissa podemos avançar na consolidação da democracia,. que não deve reduzir-se ao direito de votar. A democracia deve assegurar também, entre outros direitos, o de consumir e difundir informação e, principalmente, o de participar livremente da construção de um conjunto de ideias e valores pelo nosso próprio povo”.
Em entrevista coletiva a seguir, ele evitou fixar cronograma para o início desta ou de qualquer outra ação do ministério mas, respondendo à pergunta desta colunista do 247, admitiu que pode tomar a iniciativa de propor a regulamentação dos artigos 221, 222 e 223 da Constituição, que nunca foram regulamentados.
“A regulamentação é tarefa do Congresso mas nós podemos propor e estimular a tramitação desta matéria; A regulamentação seria uma boa oportunidade para ampliar o debate e fazer com que toda a população saiba do que estamos falando. De garantir o direito à comunicação, dentro do marco intocável da liberdade de expressão”.. Estes artigos vedam o monopólio e o oligopólio no setor, exigem diversidade regional na produção de conteúdos, pluralidade e equilíbrio entre os sistemas estatal, público e privado de radiodifusão. Com base no artigo 223, foi criada a EBC para implantar o sistema público.
Berzoini quer reler o projeto de regulação deixado pelo ex-ministro Franklin Martins e conhecer outra experiências regulatórias, como a de Poertugal, quee segundo a coluna Painel, da Folha, poderia ser o modelo adotado. Nenhum modelo será copiado, diz ele, mas todos serão examinados. Nenhuma proposta, acrescenta, será apresentada antes da ocorrência do diálogo e do debate com a sociedade e os setores envolvidos. Por isso vale conhecer mais a experiência da agência portuguesa, a ERP:
Agência reguladora da mídia em Portugal, defende os interesses do cidadão diante dos meios
A ERC – Entidade Reguladora para Comunicação Social, de Portugal, foi uma das agências internacionais de regulação da mídia que participaram, no final de 2010, do seminário sobre o tema organizado pelo então ministro-chefe da SECM, Franklin Martins. O seminário recolheu subsídios para o projeto que, acolhido por Lula, foi entregue à sucessora Dilma Rousseff, e esta o repassou ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.
A ERP foi criada em 2005, como agência pública dotada de autonomia administrativa e financeira, nos moldes de nossas agencias reguladoras de serviços públicos, como ANP, Anatel e Aneel. Ela dispõe de um Conselho Regulador, composto por quarto membros indicados pelo Congresso e um escolhido pelos pares. Este conselho traça as diretrizes de ação, que são implementadas por uma diretoria executive. Há também um conselho fiscalizador da própria gestão da ERP. Compete à agência regular e supervisionar todos os meios de comunicação, privados e públicos (estes últimos são muito fortes em Portugal, ao contrário do Brasil, onde a EBC ainda é um projeto nascente) buscando assegurar a observância dos direitos e deveres constitucionais. a liberdade de imprensa, o direito à informação, a independência dos “media”, como eles dizem, em relação aos poderes político e economico. Seu regimento diz também que a mídia deve expresser o confronto entre as diversas correntes de opinião, evitando a prevalência de “pensamento único” sobre qualquer tema. Garante ainda o direito de resposta e ao contráditório em casos de veiculação de informação mentirosa, caluniosa, falsa ou disorcida. O leitor que diga honestadamente: tudo isso não está fazendo falta aqui no Brasil? Não para censurar ninguém, mas para garantir ao cidadão uma boa informação. Não se faz democracia sem cidadãos bem informados.
Atualmente a ERC decide questões (levadas a ela por pessoas físicas ou jurídicas) sobre garantias da liberdade imprensa, direito de resposta, programação televisiva, direitos dos jornalistas, concessões de canais de radiodifusão, pluralismo, entre outros. Quase todos os países da Europa têm uma regra legal que exige o pluralismo (de opinião, de programação, de expressão da diversidade cultural, política e étnica) na programação dos veiculos de radiodifusão. Afinal, eles são concessão do Estado a exploradores privados. Em 2014, a ERC determinou que não apenas o sistema público (encabeçado pela TV Pública RTP) estava obrigada a observar estes princípios mas também as emissoras privadas SIC e TVI. Aqui no Brasil, a pluralidade está prevista na Constituição mas apenas a EBC e seus canais públicos (TV Brasil, rádios e Agência Brasil) têm obrigação legal de observância deste quesito, sob a fiscalização do Conselho Curador.
As concessões de canais são examinadas pelo órgao do Poder Excutivo (o Ministério das Comunicações no caso do Brasil) mas precisam de um parecer favorável da ERP.
Neste momento em que o debate está apenas começando, a publicação do resumo do seminário de 2010 seria uma grande contribuição. Veriam os críticos e os temerosos que não há bicho de sete cabeças nesta questão, apenas um aprimoramento da democracia. Ou, o que seria melhor ainda, a reedição do seminário. A TV Brasil tem em seu site uma boa entrevista com o presidente da ERP, Carlos Magno Castanheira.